O BRASIL NA GEOPOLÍTICA MUNDIAL: RAINHA OU PEÃO?
COMO OLHAR O BRASIL EM SI E O MUNDO A PARTIR DE 2020.
*Thomas Korontai
A geopolítica mundial assemelha-se fortemente ao jogo de xadrez. Figuradamente, países atuam como peças. Sabe-se que neste jogo cada tipo de peça tem graus de liberdade e poderes diferentes. Algumas podem realizar movimentos em quase todas as direções, enquanto outras têm seus movimentos restritos; algumas têm mais valor do que outras.
É notório que o jogo geopolítico deixou de ser bipolar para ser multipolar. Na época da guerra fria tínhamos dois conjuntos de peças, que eram reconhecidos como EUA e a maioria dos países do Ocidente, e URSS e seus satélites, diferenciadas pelas suas cores. No xadrez, em geral, um conjunto é da cor branca, enquanto o outro é da cor preta. EUA e URSS tinham cores diferentes: um era azul e o outro vermelho. Era, por assim dizer, um “jogo bipolar”. Com a dissolução da URSS, e o consequente fim da Guerra Fria, a geopolítica mundial passou a ser multipolar. Isto é, o jogo não tem mais apenas dois conjuntos de peças; outros conjuntos subiram ao tabuleiro e exigem participação no xadrez mundial.
Conjuntos de peças que eram somente coadjuvantes, pois estavam fora do tabuleiro, cresceram e apareceram. Atualmente, a Rússia, herdeira da antiga URSS, a China, a EU – União Europeia – e a Inglaterra, agora livre da UE, depois do Brexit, e o Japão, estão em condições de se tornarem senão rainhas ou reis, pelo menos peças importantes do xadrez global, como o bispo, o cavalo e a torre, no xadrez tradicional. Não podemos esquecer que a Inglaterra durante cento e cinquenta anos influenciou o mundo, aberta ou veladamente. Liberada dos compromissos com a Europa, certamente aliar-se-á aos EUA formando uma dupla poderosíssima. Índia, Irã e a outros países árabes, África do Sul, e mesmo o Brasil, nem estavam no jogo.
Se no verdadeiro jogo de xadrez exige-se capacidade de raciocínio estratégico, na geopolítica mundial esta exigência torna-se exponencial. É preciso profunda visão holística e pensamento sistêmico para perceber o quanto pequenos movimentos das peças mais simples podem levar até ao xeque-mate da rainha. Por isso, todos aqueles países que insistirem em pensar a geopolítica de forma linear estarão fadados a serem peças meramente periféricas.
O Brasil corre este risco. Primeiro, porque talvez esteja insistindo em ver o mundo de modo linear quando a realidade se mostra tremenda complexa. Neste caso o erro de diagnóstico pode nos condenar a repetir “ad eternun” os nossos erros, como se estivéssemos presos à “Roda de Samsara”. Em segundo lugar porque o estamento oligárquico abancou-se nas posições de poder, como os caramujos se grudam nos cascos dos navios, atrapalhando a velocidade da navegação. E, em terceiro lugar, porque o nosso modelo de Estado tornou-se não somente um fator do problema nacional, mas talvez, seja propriamente o problema. Assim, há de se fazer o dever de casa, urgentemente, sob pena de sermos expulsos do tabuleiro e servirmos apenas de peças sobressalentes.
É indubitável que as reformas econômicas que estão sendo efetuadas no Brasil são importantes e necessárias, mas podem deixar de afetar os privilégios da oligarquia. Apenas as reformas efetivamente estruturais do atual modelo de Estado, abandonando o pérfido e anacrônico redistributivismo dos recursos nacionais, centralizados em Brasília, passando para um modelo de Estado federal e subsidiário, com ampla autonomia para os estados e para os municípios, criará as condições adequadas para que deixemos de ser peças de movimentos restritos no tabuleiro mundial.
Obviamente, nesta apregoada ampla autonomia, estados e municípios teriam arrecadação próprias, sem necessitarem enviar recursos para a União para depois implorarem que lhes sejam entregues o que por direito já lhes pertence. O modelo americano é o que mais se assemelha ao que propomos, mas não é o único. Na verdade, precisamos não somente revitalizar a nossa federação, mas também repensá-la sob bases inovadoras.
Tais transformações não se darão somente com ações cosméticas aqui e ali, no aparelho estatal. Se não reconstruirmos a própria estrutura do Estado, continuaremos colhendo os frutos do atraso e do subdesenvolvimento, enquanto países sem nem sequer a décima parte dos nossos recursos atingem posições importantes no cenário global. Para que a nossa federação seja revitalizada será necessária a reconfiguração das competências dos entes federais: União e estados, dando autonomia aos municípios, sem que constem como entes federais, aliás, condição desnecessária para os seus plenos desenvolvimentos.
Contudo, nenhuma nação se eleva dos vales da pobreza aos cimos da riqueza sem a adequação das suas pretensões aos seus meios e recursos. Mesmo que tais fatores não sejam abundantes é possível direcioná-los adequadamente para alcançar os resultados almejados. O Japão foi uma prova disso; a China reproduz atualmente o sucesso nipônico. O Brasil, ao contrário, apesar de todas as suas enormes potencialidades, ainda não conseguiu desenvolver-se até o ponto de tornar-se relevante no jogo mundial, exemplo disso é participar com apenas 1% do total do comércio global. Mas o que é preciso fazer para alcançar a posição destes países? Algo realmente necessário é um Projeto de Nação. É ele que identifica, relaciona e ordena as aspirações nacionais e procura a adequação destas aos meios e recursos disponíveis. Apesar disso, no passado, tivemos pensadores que tentaram estabelecer projetos de nação, como Alberto Torres, durante o Império, e Oliveira Viana, no inicio do Século XX. Sem um verdadeiro projeto de nação o Brasil andou a deriva no mar encapelado da geopolítica mundial, com graves reflexos internos. A oligarquia, quer acreditemos, quer não, sempre criou obstáculos à emergência do Brasil no conjunto das potencias mundiais. Quanto a nós, começamos a vislumbrar a necessidade de tal projeto ainda no distante ano de 1991, quando ainda nos faltavam conhecimentos sobre os gigantes que nos antecederam e sobre os ombros dos quais, agora, precisamos nos sentar para ver além da linha do horizonte. Se queremos ser peças importantes no quadriculado do xadrez global necessitamos de um Projeto de Nação, consensual.
Os brasileiros terão de ser informados sobre as nossas reais possibilidades, para que tenham o direito de decidir o próprio futuro. Destarte, cabe a todos que detém alguma parcela maior de consciência acerca da realidade do nosso País o dever de informar e esclarecer outros brasileiros. Isto, efetivamente, está em nossas mãos! É uma tarefa intransferível. Ao agirmos responsavelmente neste sentido, em algum momento a partir de 2020, daremos inicio à jornada para deixarmos de ser simples peões, cavalos, torres, bispos, reis e rainhas. O Brasil não precisa ser “rainha” e muito menos “peão”, mas pode se tornar um dos jogadores que movimentam estas peças, fora do tabuleiro, portanto. Potencial para isso nós temos!
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*Thomas Korontai é empresário, autor de livros sobre federalismo e Presidente do Instituto Federalista.
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