OS ENGANOS DE CARLOS SLIM
Por Ivomar Schuler da Costa
Este artigo é uma resposta às afirmações do mega-empresário mexicano Carlos Slim, que constam deste site https://www.pensarcontemporaneo.com/pobreza-se-combate-com-trabalho-nao-com-caridade-diz-carlos-slim/
O autor do texto começa interpretando o pensamento do empresário, que, naturalmente, pode não significar exatamente o que ele disse ou quis dizer
“Em outras palavras, você não acaba com a pobreza dando peixes, mas ensinando a pescar.”(Grifos Nossos)
Qualquer pessoa, usando do senso comum concordará com tal assertiva, porém, há de se considerar que algumas vezes a pessoa em situação de miséria nem forças tem para segurar o caniço. Como irá pescar, então? É evidente que essa pessoa precisará ser recuperada em suas forças vitais antes de pegar o caniço e começar a pegar o próprio peixe.
O empresário mexicano, considerado o homem mais rico do México, disse que: a melhor maneira de ajudar os pobres é a geração de empregos. (Grifos Nossos)
Se realmente Slim disse isso, parece que ele vê a realidade sob um prisma estreitíssimo, reducionista, diria até economicista. Qualquer pessoa com um pouco mais de leitura e conhecimento do mundo e de outras disciplinas entende que a dimensão econômica é importantíssima, mas não é exclusiva na eliminação dos graves problemas humanos. Não resta dúvida que a geração de empregos é urgentíssima e necessária. Mas o emprego, como fonte de geração de renda não determina a redução da pobreza. Existem outros fatores e condições tão necessárias quanto a expansão do emprego para que o pobre possa ser ajudado!.
“A única maneira de eliminar a pobreza é criando fontes de emprego, não “com políticas públicas de caridade ou assistência social”, disse o empresário mexicano Carlos Slim, o homem mais rico do México. (Grifos Nossos)
Mais uma vez, se foi isso que o empresário mexicano falou, ele demonstra ter uma visão linear e economicista da realidade. Adicionalmente, demonstra desconhecimento do sentido exato do vocábulo caridade e dos seus sentidos teológicos e éticos. Por principio, coletividades não fazem caridade, somente indivíduos humanos a fazem, porque a essência dessa virtude é o desinteresse pessoal, ou seja, a gratuidade, o dar sem esperar ou exigir qualquer retribuição ou recompensa. Já a assistência social pode ser realizada tanto pela sociedade quanto pelo estado. Há uma razão análoga em ambas, caridade e assistência social, o que faz com que às vezes sejam confundidas: nenhuma delas deve gerar dependência de um ser humano a outro ser humano. Ao contrário, um dos resultados de ambas é a autonomia dos indivíduos que foram alvos de suas ações, a sua independência relativa, a sua liberdade, por fim.
Um dos problemas dessa maneira de Carlos Slim compreender a realidade é que ela parte do princípio de que todo ser humano deve ser produtivo, que é uma visão economicista (mas não necessariamente econômica), ou seja, o valor do ser humano é extrínseco, e por isso pode ser precificado, e não de uma compreensão da Dignidade da Pessoa humana, que é intrínseca e, portanto, não pode ser precificada. Esclarecendo melhor esta diferença: preço tem o que pode ser comprado; valor é aquilo que não pode ser comprado. Obviamente, estamos nos referindo aqui ao valor no seu sentido ético, e não no sentido de “valor econômico”, pois este é extrínseco ao ser humano.
Na sociedade sempre existiram, existem e existirão seres humanos involuntariamente improdutivos, em decorrência de inúmeros fatores, seja pela idade (crianças e idosos), seja por doenças incapacitantes, etc. Estas pessoas estarão fora da solução apresentada pelo mega-empresário. O que fazer com elas? Ai é que se fazem necessárias as ações caritativas exercidas pela sociedade e as ações de assistência social, nos casos não atendidos pela anterior. Temos de tomar cuidado com estas pretensas soluções, como as sugeridas por Slim, pois ao invés de resolverem o problema podem alargá-lo ainda mais. A consequência dessa compreensão restrita é que pode nos levar a totalitarismos de todos os matizes, tais como a eugenia, as “soluções finais”, os genocídios, e muitas outras atrocidades. Há séculos se sabe que o trabalho é uma fonte de dignidade humana, no entanto, não podemos esquecer que os nazistas colocaram como dístico nos portões dos campos de concentração, e como ironia também, que “O trabalho dignifica o Homem”, enquanto industrializavam a mortandade de judeus, ciganos, homossexuais e outros seres humanos considerados prejudiciais àquela sociedade desalmada. O Século XIX foi a sementeira dessas monstruosidades fantasiadas de ciência séria, enquanto o Século XX nos mostrou com crueza espantosa a prodigalidade nefasta dessas idéias abstrusas e imorais.
Por tudo isso, nem a ação do estado, nem as ações caritativas de indivíduos e organizações civis, nem a assistência social produzida pelo estado ou pela sociedade podem ser desconsideradas. Ao contrário, o que precisamos é estimulá-las ainda mais. Para tanto, as funções, ou em termos jurídicos, as competências do estado, e especialmente no Brasil, as competências da União Federal, dos estados-membros e dos municípios devem ser readequadas para que as suas finalidades e objetivos sejam atingidos com maior eficácia e eficiência. Comumente, pensar-se-á que a solução será ampliar o “estado de Bem-estar Social”, o que já se mostrou inadequado por diversas razões. Por outro lado, a história tem nos mostrado sobejamente que o “estado liberal clássico” também não resolve os graves problemas da pobreza. O que fazer, então? Bem, a solução já existe: o Estado Subsidiário, aliado a um estado federal verdadeiramente democrático em uma sociedade plural, animada por valores que privilegiam a Dignidade da Pessoa Humana.
No Fórum da democracia latino-americana, no Palácio Mineiro da Cidade do México, Slim disse que se ele pudesse acabar com a pobreza “dando 300, 400 ou 500 dólares para cada mexicano, eu adoraria, faria com prazer”porque ele está convencido de que “a pobreza não beneficia mais do que talvez alguns políticos demagogos”. (Grifos Nossos)
No entanto, ele argumentou que o melhor investimento social não é dar recursos às pessoas, mas dedicá-las à “nutrição, saúde, educação e EMPREGO, EMPREGO E MAIS EMPREGO”. (Grifos Nossos)
“Eu tenho insistido muitas vezes que a única maneira de ver a população sair da pobreza não é com caridade, nem com políticas públicas de bem-estar social, mas com emprego”, disse ele. (Grifos Nossos)
Destacamos três pontos nessa argumentação.
Primeiramente, quando o empresário afirma que existe uma única maneira de acabar com a pobreza, subjaz à afirmação uma suposição de linearidade da realidade, ou seja, de que existe apenas uma causa, quando na verdade sabemos que o fato pobreza é muito complexo, envolvendo uma rede de causas e efeitos, todos interdependentes, e retroalimentados; efeitos atuando sobre causas que se reforçam e os ampliam; efeitos atuando sobre outros efeitos; causas atuando sobre causas. Ora, numa trama tão emaranhada, é audacioso dizer que basta isso ou aquilo.
Em segundo lugar, quando ele diz o melhor investimento social não é dar recursos às pessoas, mas dedicá-los à “nutrição, saúde, educação…”, embora demonstre uma visão um pouco mais ampla, reconhecendo que alimentação, saúde e educação são fatores estruturantes, externalidades econômicas, basilares do desenvolvimento, peca quando complementa com “[…] emprego, emprego e mais emprego”, pois realça o seu viés economicista. É possível ver também nessa declaração a defesa de seus interesses econômicos, porquanto, sem empresas, e no caso empresas gigantescas, não se produz emprego. Obviamente, não somos contrários à liberdade econômica responsável, à livre iniciativa, embora não nos coloquemos no campo ideológico do liberalismo, nem do neo-liberalismo.
O terceiro ponto a destacar é que ao excluir a Caridade e as ações assistenciais do estado, coloca o mercado como centro de todo o movimento e desenvolvimento social. Já vimos que ele tem uma visão linear e exclusivista da realidade. O mexicano defende, é claramente perceptível, o desequilíbrio entre sociedade, mercado e estado. A História recente nos mostrou, entretanto, que privilegiar um destes em detrimento dos outros só aprofunda os problemas da pobreza.
O quarto ponto é, mais uma vez, a miopia conceitual e ética de Slim. Na sua visão estreita ele concebe e percebe a caridade como o simples ato mecânico de dar coisas para pessoas supostamente carenciadas. Ora, distribuir coisas mecanicamente até as máquinas fazem, e exigir que o estado seja caridoso é também um exagero. Não percebe o milionário, que, caridade é muito mais do que isso, é, sem dúvida, a verdadeira causa do sucesso do Cristianismo em transformar sociedades bárbaras em civilizadas, que caridade é o exercício do amor cristão, que caridade é o amor patente, por isso não admite receber nada em troca e, em hipótese alguma busca a dependência do ser humano que recebe o ato caritativo.
Segundo Slim, nos últimos 50 ou 100 anos, “trilhões de dólares foram gastos para combater a pobreza, perdoar dívidas, criar programas de alimentação e saúde”, sem obter os desejados. (Grifos Nossos)
Aqui o empresário se contradiz, pois se antes afirmou que “[…] o melhor investimento social não é dar recursos às pessoas, mas dedicá-las à “nutrição, saúde, educação […]”” como pode dizer agora que programas de alimentação e saúde não deram certo. Compreende-se perfeitamente que muitos desses programas não deram os resultados desejados, mas as causas deste suposto fracasso podem não estar necessariamente nos programas, ou na incapacidade das populações alvos deles, mas sim no contexto em que eles foram formulados e executados.
Será que populações miseráveis não conseguiriam aprender algo e sobreviver às próprias expensas? Será que existem povos e culturas incapazes de evoluir econômica e socialmente? Então nossos índios estariam condenados a eterna pobreza no meio da selva amazônica? então, tal incapacidade implicaria o direito de um povo invadir o território de outro, sob a justificativa de que o povo local é incompetente para usar os próprios recursos, e cabe, portanto, ao povo mais avançado, invadir o território do primeiro para realizar “uma sagrada missão civilizacional”? E se o estado onde estas populações se localizam forem os geradores da miséria, por incompetência ou por corrupção? Sem dúvida, os fatores a serem analisados são inúmeros.
“O empresário, acionista majoritário da Telmex, maior empresa de telefonia do México e uma das maiores da América, disse que as empresas e seus proprietários têm a responsabilidade de pagar impostos e gerar produtividade, mas essas tarefas também correspondem à sociedade civil.”. (Grifos Nossos)
Até aqui ele não disse nada que não seja óbvio.
Organizações acadêmicas e civis apontam que as empresas de Slim controlam os mercados em que operam, impedindo que outras empresas entrem ou afetem os concorrentes. (Grifos Nossos)
Slim defendeu a existência de grandes empresas afirmando que “é perverso pensar que em países que não são muito ricos, deve haver empresas muito pobres e que as únicas empresas ricas nesses países, são estrangeiras”.”.
Não sou contra grandes empresas, desde que elas não se transformem em monopólios ou oligopólios de um setor econômico e não usem inadequadamente teorias econômicas e administrativas, como a análise da estrutura de setores econômicos proposta por Michael Porter, por exemplo, como meio de impedir o desenvolvimento de outras empresas que por sua vez pagarão impostos, gerarão produtividade e os tão, por ele, enfatizados empregos.
“Eu acho que é uma ideia errada ou uma atitude perversa ou uma política buscando outros fins”, disse ele. (Grifos Nossos)
Se esta fala estiver fiel ao que Carlos Slim falou ou quis falar, podemos entender que ele age hipocritamente, dizendo uma coisa e fazendo outra.
Até aqui ele esta defendo somente os seus “interesses pessoais”, antítese da essência da caridade, talvez por isso critique e distorça tanto o conceito desta.
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