É PRECISO REINVENTAR OS PARTIDOS POLÍTICOS
É PRECISO REINVENTAR OS PARTIDOS POLÍTICOS
Existem momentos na história que são denominados “de crise”. Estamos vivenciando um desses. Mas se buscarmos a etimologia do termo crise, entenderemos que originalmente significava simplesmente separação. Assim, vivemos um momento de separação entre o velho e o novo Brasil. Com a separação novos caminhos se abrem à nossa frente, o que obriga-nos à realização de escolhas, e estas implicam selecionar finalidades, objetivos e meios.
Quando as estruturas carcomidas pelos cupins do tempo tornam-se inserviveis não é mais possível apoiar-se sobre elas. É preciso, então, buscar outras bases mais sólidas. Mas quais? Inúmeras vezes o antigo se desfez sem que o novo se apresentasse, e além da falta de uma base sólida, ficamos sem uma visão nítida do caminho a seguir. Porém, se a visão não é clara devemos nos servir de lentes analíticas mais potentes.
A maioria das instituições sociais e políticas do Brasil está sendo obrigada a esforços enormes de transformação. Muitas delas certamente não sobreviverão. O novo ambiente que está se configurando exigirá delas o estabelecimento de finalidades renovadas, novas maneiras de organização e de atuação. Elas terão de ser reinventar.
Embora a crise esteja atuando sobre o conjunto, a influência que exerce não é uniforme. Umas partes a sentem menos intensamente, enquanto outras estão sendo praticamente sufocados. É este o caso dos partidos políticos.
No entanto, o fato da existência da crise não significa que os partidos consigam percebê-la, pois isso depende de grupos, órgãos ou processos adequados para captar a natureza das mudanças e a sua intensidade. Ocorre que a maioria dos partidos ou não tem estes dispositivos ou se os tem não aceita que mudanças radicais estejam ocorrendo. É possível que estejam negando a realidade e acreditando que quando a crise passar tudo retornará ao normal, sendo desnecessária qualquer providência de reconfiguração organizacional.
Com a Cláusula de Barreira um enorme desafio foi colocado diante dos Partidos Políticos atuais. Em um primeiro lance de vista as mudanças parecem insignificantes, porém, quando olhamos com atenção percebemos que mesmo com a gradualidade da lei os partidos serão obrigados a realizar mutações profundas, se quiserem continuar atuando no palco eleitoral. Podemos ver no site “Poder 360” https://www.poder360.com.br/partidos-politicos/partidos-se-fundem-para-superar-clausula-de-desempenho/ o que diz a lei da Clásula de Barreira.
Eleição de 2018 – só terá direito ao Fundo Partidário e ao tempo de propaganda a partir de 2019 o partido que tiver recebido ao menos 1,5% dos votos para deputado federal nas eleições de 2018, distribuídos em pelo menos 1/3 das 27 unidades da Federação, com no mínimo de 1% dos votos em cada uma delas. Se não cumprir esse parâmetro, o partido só manterá os benefícios caso eleja pelo ao menos 9 deputados federais, distribuídos em um mínimo de 9 unidades da Federação.
Foram 14 as siglas incluídas nesta perigosa situação: PCdoB, PHS, Patriota, PRP, PMN, PTC, Rede, PPL, DC, PRTB, PMB, PCB, PSTU, PCO.
Eleição de 2022 – a exigência sobe para 2% dos votos válidos obtidos nacionalmente para deputado federal em 1/3 das unidades da Federação, sendo um mínimo de 1% em cada uma delas. Outra possibilidade: eleger pelo menos 11 deputados federais distribuídos em 9 unidades. A partir de 2022, ficam proibidas coligações partidárias para disputas de deputados federais e estaduais, o que reduz o campo de ação de siglas pequenas;
Percebe-se meridianamente que o objetivo dos partidos que não atingiram o índice mínimo da clausula de barreira ou que a atingiram, mas ficaram perigosamente próximo do limite de corte para as próximas eleições é tão somente um movimento de sobrevivência: atrair mais candidatos. Por exemplo, “O objetivo do PSL é usar a popularidade de Bolsonaro para atrair mais filiados e se tornar o maior partido na Casa”, diz a matéria. É inegável que estes partidos estão certos, afinal, querem continuar existindo no cenário político nacional. Mas será que funciona?
O pressuposto dessas ações é que existe um bolo de certo tamanho e que a única forma de sobreviver é cada um pegar para si uma fatia maior do que os outros. No curtíssimo prazo, isto é, no período inter-eleições federais, essa ideia corresponde à realidade. Todavia, mesmo esta ação tem um limite, pois o bolo não é infinito.
Essas ações assemelham-se a conhecida dança das cadeiras: quando a música parar alguém ficará sem cadeira e será, por isso, excluído da brincadeira.
Mas o que os partidos teriam de fazer para sobreviver no longo prazo? Pelo menos uma nesga de certeza podemos ter: mudanças cosméticas não serão suficientes. Antes de tudo analisemos alguns aspectos do atual cenário social e político.
Mudanças estão ocorrendo nas correntezas do inconsciente da população e são muito profundas, contudo, os partidos parecem não percebê-las com nitidez.
O primeiro caso realmente importante foram as “jornadas de junho”, quando o governo, que estava nas mãos petistas, foi surpreendido pela população. Desenrolava-se uma manifestação coordenada ocultamente por partidos comunistas que aparentemente visava redução dos preços das passagens de ônibus. As manifestações eram lideradas pelo movimento “passe livre”, que almeja transporte coletivo urbano gratuito para todos. Na verdade, como se descobriu posteriormente, estas manifestações eram apenas testes de “engenharia social”. Os governos comunistas que haviam chegado ao poder pelas vias eleitorais estavam testando o nível de controle que haviam conquistado sobre a população. Porém, em junho a população brasileira supostamente atendendo à convocação do referido movimento foi às ruas, mas com solicitações que diferiam completamente da pauta proposta. Ao contrário, a população, sem qualquer liderança e sem organização anterior, manifestava-se contra o governo. As reações do governo forma de surpresa e de improvisação, pois começou a acenar com propostas que estavam muito longe do que a população realmente desejava. A partir daquela manifestação a população foi às ruas constantemente em momentos políticos cruciais e acabou por mudar o cenário político que estava dominado pelas ideologias ditas de esquerda.
O caso de Marina Silva, do Partido Rede Sustentabilidade, é sintomático. Em 2014 chegou a atingir a expressiva votação de mais de vinte milhões de votos para a presidência da República, pelo PSB, porém, na última eleição, já pela Rede,sofreu uma queda vertiginosa, ficando muito abaixo de 1% da votação total.
Os partidos e candidatos tradicionais do denominado Centro, que geralmente servia como fiel da balança entre candidatos opostos no segundo turno dessa vez não significou absolutamente nada. O apoio oferecido ao candidato Alckmim parece ter-lhe prestado, na verdade, um desserviço, pois sua candidatura foi simplesmente pulverizada.
Outro aspecto profundamente alterado foram os milionários gastos com campanhas eleitorais. Até onde sabemos o PT aplicou dezenas de (suspeitos) milhões de reais em sua campanha e, no entanto, sofreu uma derrota vergonhosa, tendo em vista que os valores aplicados pelo adversário não chegou à metade de uma dezena de milhão de reais, e ainda sobrou dinheiro, enquanto o PT ainda precisa arrecadar mais para pagar o que ficou “no prego”!
Destes quatro fatos podemos retirar algumas evidências.
A primeira destas evidências é que até 2013 grande parte da população brasileira estava muito insatisfeita, mas não encontrava um canal adequado de expressão, até porque os partidos ditos de esquerda haviam instrumentalizado a mídia, as universidades, as escolas, os sindicatos e o estado, quase que completamente. No entanto, quando essa insatisfação manifestou-se foi como se um tsunami estivesse invadindo a praia daquelas organizações que estavam no comando do país e destruindo as construções. Os sentimentos, as emoções da população não são eternamente manipuláveis e cada vez que alguém tenta ir contra as crenças e valores mais profundos da população, seja para anulá-los, seja para controlá-los, eles reagem na mesma proporção. Uma força poderosa movimentava-se invisivelmente no inconsciente coletivo e não foi identificada.
A segunda é que mesmo a maioria dos que votaram em Marina Silva em 2014 não se repetiu em 2018. Por que ela perdeu tantos votos? A falta de sintonia com os anseios da população parecem ser um motivo central. Todos os partidos que defenderam alguma pauta percebida pelo eleitorado como sendo de esquerda perderam votos. Mas Marina se apresenta como um ser híbrido, não mostra claramente a sua ideologia para o povo, escondendo-se atrás da máscara de ambientalista, além de usar teorias pretensamente avançadas acerca de gerações de novos direitos. O povo brasileiro, embora agora esteja repudiando os discursos alarmistas acerca da questão ambiental, não se coloca frontalmente contra esta pauta. Ao contrário, entende nitidamente a diferença entre o cuidado equilibrado e responsável que devemos dedicar à natureza, mas não se deixa embair pelos discursos sofisticados e tendenciosos das ONGs que se locupletam nas verbas governamentais, pagos pelos cidadãos, sob a capa da proteção ambiental. Assim, a imagem de ambientalista projetada com cuidado por Marina Silva tornou-se transparente para a população. E a população viu o que não queria ver! O cidadão eleitor começou a observar os candidatos com uma lente de aumento, de modo que está conseguindo ver as sujidades antes nem sequer percebidas. Por isso, Marina Silva precipitou-se no abismo eleitoral, possivelmente sem volta.
A atitude do eleitor mudou radicalmente em apenas quatro anos, provando que as “vacas” de hoje já não são tão sagradas como as de ontem. Ele está muito mais autônomo.
A terceira é que as posições tradicionais não fazem mais sentido para o eleitor. Embora ainda se fale muito em posições políticas contrarias de “esquerda x direita”, o certo é que certas ideias e valores assomaram com tal força para a consciência dos cidadãos que mesmo estas distinções tradicionais perdem força gradualmente. Tenta-se, agora, a criação de uma “direita” no Brasil. Mas pergunta-se: será que a população realmente entende o que isso significa? Será que a população está realmente preocupada com esquerda, direita ou centro? O que se destaca perante os olhos do observador atento é que o povo quer resultados. Tanto isso é verdade que os governos FHC tiveram enorme sucesso eleitoral porque apresentaram muitos resultados que todos almejavam. Os governos de Lula (agora somente um presidiário) também obtiveram entusiástico apoio enquanto enrolavam a população com medidas econômicas e sociais populistas. Nos governos de Dilma Roussef a farsa veio à tona e o castelo de cartas foi desmanchado, perdendo o apoio da população. Quer dizer, a população quer os resultados, importando-se pouco com as ideologias políticas utilizadas. Afinal, ideologia não enche barriga.
Ocorre que as antigas posições políticas não conseguem entregar os resultados que a população pede, pois se encontram extremamente preocupadas com a conquista e manutenção dos resultados que lhes interessam. O agrupamento de deputados e senadores que compõem o denominado Centro, servindo de fiel da balança, tanto quanto buscavam resultados benéficos a si próprios em negociações de apoio a um ou outro candidato (que na maioria das vezes se tornava uma negociata), tornou-se totalmente insignificante. O apoio oferecido ao candidato do PSDB acabou causando mais prejuízos do que benefícios eleitorais. Tanto o partido do candidato peessedebista, o próprio candidato, como os partidos da sua coligação não viram que o jogo havia mudado e insistiram em jogar no mesmo campo e com a mesma bola furada. Perderam de goleada!
A quarta evidência das profundas transformações que estão ocorrendo no terreno psicossocial e político brasileiro foi a enorme diferença de gastos entre as duas candidaturas. A vencedora gastou muito menos do que a perdedora. Isso desvela um quadro extremamente sugestivo para qualquer analista atento. Como um candidato com pouco ou nenhum dinheiro consegue vencer outro que tem “as burras forradas de prata”? Neste caso a razão parece ter sido que o candidato desprovido de recursos monetários conseguiu uma conexão tão profunda com grande parte da população de modo que esta reproduziu e defendeu encarniçadamente as propostas dele. Essa parte da população supriu os recursos que faltavam, obviamente não transferindo valores monetários, mas empenhando gratuitamente seus esforços em prol dos objetivos e propostas que o candidato defendia. Houve um encadeamento da campanha com cada cidadão que a assumiu como sendo sua.
Com o candidato vencido ocorreu o oposto.A persistência em um discurso francamente em desacordo com o que a maior parte da população despreza, mas não havia encontrado até aquele momento quem manifestasse tal sentimento, fez com que a campanha seguisse uma direção inversa ao dinheiro: quanto mais aumentavam os gastos em marketing tradicional, mais os eleitores recuavam. Paralelamente a isso, a propaganda eleitoral estava em contradição com a realidade percebida pela população. Assim, o hiato aumentava a cada vez que a propaganda demonstrava a embófia do candidato e do seu partido. O vencido ficou somente com os seus enclaves tradicionais, que mesmo assim não foram suficientes para conquistasse o direito a faixa presidencial. Existe ainda a desconfiança de uma parcela da população de que mesmo a quantidade de votos que o vencido recebeu não representou a verdade, devido a problemas nas urnas eletrônicas e no processo informatizado. Isto é, a votação no vencedor teria sido muito maior. Se isso for realidade, é provável que a quantidade de votos que o candidato vencido recebeu seja, na verdade, inexpressiva. Assim, a vitória do oponente terá sido avassaladora.
O que se resume destas evidências é que correntes de sentimentos e ideias estavam circulando nas profundezas da psique brasileira e que estas encontraram um canal para se manifestar. Embora estas evidências sejam apenas de superfície, é possível identificar o substrato psíquico que as mantêm. Sem dúvida, houve uma enorme recusa ao status quo.
Os elementos psíquicos da população assemelham-se ao magma terrestre. É uma imensa massa ígnea de metal líquido, fervendo sob nossos pés. Geralmente nem notamos a sua presença. Entretanto, em alguns momentos a pressão aumenta a tal ponto que aquela massa infernal procura caminhos através da crosta terrestre para evitar uma destruidora explosão. Os locais de fuga encontrados pela massa ígnea são os vulcões. O problema é que uma vez que tenha começado a erupção do vulcão a lava continuará a ser expelida com violência.Quem não entender o que está acontecendo será levado de roldão pela lava ardente dos sentimentos mais profundos do povo brasileiro.
Este demonstrou que deseja mudança de verdade e não simples maquiagens.
Agora, o que os partidos podem fazer para enfrentar a crise, sobreviverem e continuarem a serem relevantes na sociedade brasileira? Sim, relevantes, pois não basta sobreviver, mas tem de obter importância relativa para influir sobre os destinos da nação.
O primeiro passo, sem dúvida, é procurar entender a realidade. Recusá-la e racionalizar psicologicamente não fará com que a situação se torne favorável. Uma transformação profunda exige que as mudanças que serão implementadas partam de um correto diagnóstico da realidade, e não de uma ficção.
O segundo passo é identificar os fatores extrínsecos que atuam mais fortemente sobre os intrínsecos, verificando as suas correlações. Dependendo de como se apresentam os extrínsecos eles podem se tornar tanto fortes ameaças como fabulosas oportunidades de sobrevivência e crescimento.
Devemos alertar que não somente os partidos atingidos pela Cláusula de Barreira correm risco de morte, mas todos, sem exceção. A Cláusula é apenas um dos fatores que estão atuando, e assim mesmo, é relativamente superficial. Outros fatores bem mais profundos, como dito anteriormente, estão promovendo e forçando mudanças estruturais em todo o sistema político brasileiro.
De qualquer modo, mesmo em uma visão panorâmica da crise atual, alguns fatores podem ser identificados com clareza.
Como quer que seja, uma providência se faz urgente para aqueles partidos que nutrem o desejo de não somente sobreviver, mas também de se tornar importantes no cenário nacional é uma autentica aproximação com o povo. Certamente que a primeira ação será a criação de mecanismos que traduzam a voz popular para que o partido a assimile adequadamente. Depois, uma vez assimilada, o partido terá de transformar as expectativas populares em projetos de transformação do país.
A segunda ação será abrir as estruturas do partido para a participação popular. Embora a péssima imagem que hoje paira sobre o Partido dos Trabalhadores, nos seus primórdios ele se constitui como uma organização aberta, o que atraiu muita gente para os seus quadros. Posteriormente, principalmente a partir da presidência de José Dirceu, o PT transformou-se completamente e aquela estrutura aberta fechou-se e tornou-se extremamente pragmática, fazendo do partido uma máquina de ganhar eleições, sobretudo com dinheiro mal-havido. Porque estavam olhando para o passado e para seus próprios umbigos, a maioria dos partidos, mesmo aqueles que se apresentam como cristãos, fixaram-se em estruturas arcaicas, centralizadas, autoritárias, sem permeabilidade para a população. De certo modo estes partidos estavam certos, pois tinham como objetivo simplesmente aproveitar-se do Estado e não servir á população. O resultado dessa incúria é que com raras exceções os partidos foram sendo cooptados para o maior esquema de corrupção que o mundo já teve notícias.
Se algum partido quiser realmente tornar-se relevante daqui para diante terá de permitir e incentivar a participação popular em seus quadros, terá de ser não somente um representante da população, mas sim, parte desta mesma população.
Atualmente, o único que se coloca nesta condição é o Partido Federalista, se bem que ainda não conseguiu o registro do TSE para poder concorrer em eleições. Seus dirigentes acreditam que a população está predisposta a apoiar com mais intensidade o registro do partido, haja vista o candidato eleito à presidência do Brasil ter apresentado propostas de tom federalista, prometendo descentralização do Estado, entretanto, sem chegar ainda a proposição de autonomia ampla para os estados e maior autonomia para os municípios, ideais defendidos pelos federalistas há quase três décadas. O Federalista apresenta, apesar de tudo, avantajadas possibilidades de ser aquele que desempenhe o papel de partido verdadeiramente popular, orgânico, democrático, pois sua estrutura interna abre espaço para a renovação continuada de lideranças e se liga diretamente com a população, fonte da qual jamais um partido político deve se desligar.
IVOMAR SCHULER DA COSTA – Vice-presidente do Instituto Federalista
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