ESTADO SUBSIDIÁRIO: NOÇÕES BÁSICAS
Por Ivomar Schuler da Costa – Vice-presidente do IF (Instituto Federalista)
Em plena campanha eleitoral, o povo brasileiro se agita e se divide a partir das várias propostas. Cinco candidatos que concorrem vinculados a partidos políticos são apresentados como os mais cotados. Outros, igualmente vinculados não são convidados para os debates públicos nos principais meios de comunicação. Segundo estes, as suas colocações na pesquisas eleitorais fica abaixo de 1%. Até aqui acontece apenas a repetição do script. O que está ocorrendo de diferente é a polarização ideológica da sociedade e a tentativa das candidaturas independentes para diversos cargos. Neste caso, independente significa, “sem passar pela indicação ou estar vinculado a qualquer partido”. O povo brasileiro, ao acordar da sua proverbial letargia, parece ter entendido algumas causas dos seus problemas.
Apesar da polarização da sociedade entre duas correntes político-ideológicas, existem indícios de que grande parte dos problemas do país ainda não foi totalmente conscientizada nem pela população, nem pelos políticos e candidatos. A maioria destes divulga propostas extremamente superficiais e restritas a alguns fatores fáceis de serem identificados; fazem as tradicionais promessas exageradas que jamais terão condições de cumprir e seguem adiante. Nesta polarização, mais emocional do que racional, alguns realizam malabarismos teóricos inimagináveis, devido à contraditoriedade do que apresentam, contraditoriedade que a maioria deles nem sequer percebe devido a total ignorância do que defendem; isto é, defendem propostas que desobedecem não somente regras fundamentais da lógica mas, sobretudo estão em total desacordo com os princípios e valores que afirmam defender. Aliado a esta ignorância crônica, e talvez por causa dela mesma, temos o problema do diagnóstico irrealista, devido aos métodos simplistas, e em alguns casos até simplórios. Querem resolver todos os problemas do país atuando sobre um ou dois fatores muito simples. Todavia, um dos principais focos do problema reside no modelo de estado em que se baseiam ou que pretendem implantar, caso vençam as eleições, sobretudo para a presidência da República. Quer dizer, no modelo de estado que desejam manter!
Qualquer diagnóstico sério e profundo irá apontar o atual modelo de estado como uma das causas das dificuldades que nos assolam. Uma rápida visão panorâmica sobre os modelos de estado efetivamente aplicados no Brasil desde a independência, e os que são propostos nestas eleições, mostram que a identificação das causas dos problemas nacionais reside em fatores superficiais ou em modelos inadequados para a nossa realidade.
É notório que aquela linha politica conhecida como esquerda defende o dito “Estado de Bem-estar social”, também conhecido como estado social, estado de seguridade social, estado-providência, estado-paternalista (estado-paizão) ou estado-assistêncialista, em língua inglesa conhecido como Wellfare state. Esta espécie caracteriza-se por tentar resolver todos os problemas da sociedade e do cidadão, ou pelo menos a maior parte, geralmente por um sistema centralizado de planejamento. Para atingir este objetivo é criada uma enorme estrutura burocrática que acaba por consumir a maior parte dos recursos na sua própria manutenção, pouco chegando efetivamente, em serviços, ao indivíduo ou às coletividades menores.
No outro extremo temos a linha conhecida como direita que, supostamente, nesta eleição, pretende implantar o estado mínimo, também conhecido como estado-liberal. Neste, o estado é indiferente à situação do indivíduo ou de certas coletividades, preocupando-se exclusivamente em exercer algumas pouquíssimas funções de controle, como a segurança e a economia.
Um modo bem resumido de apresentar estas duas posições extremas é relacionar algumas características distintivas dos dois modelos: o primeiro é estatista, estadocêntrico, intervencionista (na sociedade) e dependentista, enquanto o segundo é anti-estatista, mercadocêntrico, não-intervencionista e independentista. O estado de Bem-estar social gera e até busca a dependência do indivíduo, da sociedade e do mercado em relação a ele; o estado liberal, ao contrário, busca a independência de indivíduos, da sociedade e do mercado em relação a ele.
Na posição estatista admite-se ou crê-se que o protagonista é e deve ser sempre o estado. Na anti-estatista,ao contrário, o agente, o protagonista é e deve ser sempre a sociedade.
Há um equívoco que precisa ser desfeito. Ser antiestatista não significa admitir automaticamente que a proeminência deva ser do mercado. Defender a liberdade econômica não implica assumir o mercado como ente determinador e condutor das relações sociais. Entretanto, ser estatista implica, de algum modo, que o estado é o ente que define, delimita e conduz as relações sociais.
Quanto ao intervencionismo, é preciso dizer que, a não ser no plano das ideias, jamais se encontrará um estado que não intervenha na sociedade. Assim, o intervencionismo é tão somente uma questão de escala, sendo, portanto, relativo ao país onde está sendo aplicado. O ponto de referência para afirmar se o estado é ou não intervencionista está tanto no grau de interferência na vida privada dos indivíduos, das organizações e da sociedade como um todo, quanto na economia, por exemplo. Quando esta interferência reduz a autonomia dos indivíduos, organizações e até de entes estatais menores, pode-se dizer que ela extrapolou os seus limites. Olhando sob este prisma, podemos adjetivar a interferência estatal em duas espécies: ou saudável ou patológica. Será saudável sempre que promover ou não reduzir a autonomia; será patológica sempre que impedir ou desestimular a autonomia.
Um estado de máxima intervenção é o totalitário. Ele é assim classificado porque as suas ações visam não somente o controle físico, tangível, material da sociedade e dos indivíduos, mas vão muito além disso ao imiscuirem-se nas suas vidas privadas. São utilizados infames processos psicossociológicos para a dominação mental de todos e de cada um. Chega ao ponto de moldar a linguagem, as atitudes, os sensos estético e moral. Para obter o controle total sobre a sociedade, o estado totalitário expande suas ações para todas as áreas de atuação, criando verdadeiros mecanismos policialescos. O valor maior para este tipo é o completo controle dos indivíduos e da dependência extrema destes ao estado.
O estado de mínima intervenção é o ultra-liberal, ou seja, aquele em que a liberdade é colocada como centro de tudo. Não há qualquer observância das questões morais. Como considera que a liberdade é o maior bem a que uma pessoa possa aspirar, o estado reduz-se a alguns poucos aparatos extremamente necessários. A sorte dos indivíduos lhe é indiferente, porquanto, já lhes deu o de que necessitavam, considera. Ocorre que a extrema liberdade não existe. Sempre que duas ou mais pessoas estiverem em convivência a liberdade será limitada pelo direito de exercício da liberdade de cada um deles. Os seres humanos, embora a sua igualdade natural são diferentes em suas aptidões. Assim, haverá sempre assimetria na sociedade, o que gera problemas insolúveis pela simples ampliação da liberdade. As propostas do estado ultra-liberal avançam para a área ético-moral. Por exemplo, busca-se a liberalização do consumo de drogas, descriminaliza-se as relações sexuais de adultos com crianças e com adolescentes, permite-se que a vida de um feto seja ceifada ainda no ventre da gestante, a educação deixa de ser obrigatória; o tratamento de doenças é entendido como uma responsabilidade dos indivíduos e que deve ser atendido por intermédio de mecanismos de mercado, mesmo que os indivíduos afetados não tenham condições de arcar com os custos dos tratamentos. Enfim, o estado ultra-liberal é aquele totalmente indiferente aos indivíduos.
Em tudo é preciso atender aos limites próprios. Cada coisa tem os limites mínimos e máximos. Sempre que os ultrapassarmos desajustes começarão a acontecer. Contudo, se permanecemos na faixa entre-limites estaremos atuando na faixa da normalidade.
Ao colocar a dúvida sobre as intenções do campo da direita em implantar o estado mínimo, usando a expressão “supostamente”, pretende-se esclarecer que nem todo partido ou coalizão de direita é anti-estatista. No Brasil, ao contrário, tivemos períodos em que esta auto-proclamada direita estatizou profundamente o país. Temos aqui, embora a recente polarização político-eleitoral, a suposta direita em contradição consigo mesma. Em tese a esquerda é que se apresenta como estatizante e a direita anti-estatizante, mas a prática, no Brasil, é muito diferente da teoria. Afinal, somos um país de contradições!
Qual seria a melhor destas posições? uma possível resposta é: depende da perspectiva de quem está avaliando a questão. Muitas vezes para encontrarmos a resposta para um problema somos obrigados a mudar a perspectiva sob a qual o analisamos. A proposta do Federalismo Pleno responde a esta questão partindo de uma perspectiva mais alta, escapando ao pólos opostos estado social/estado liberal.
Tudo que existe no universo apresenta vantagens e desvantagens. A solução ideal deveria aproveitar as virtudes dos dois modelos. Seria isto possível? a proposta federalista atende a estas condições, porquanto, ao observar o todo, as partes e as relações que estabelecem entre si, tem uma visão diferente e abrangente, o que a conduz a novas soluções para antigos e novos problemas.
Se a proposta do federalismo pleno não cai na armadilha de escolher um ou outro pólo de um continuum, isto é, se não analisa o problema do modelo de estado sob uma visão unidimensional, qual é o modelo proposto, então? é o do estado subsidiário.
Tal denominação pode causar estranheza, pois é pouquíssimo conhecida. Deveras, este modelo tem sido desenvolvido em tempos muito recentes. Para adjetivar um modelo de estado como “subsidiário”, o próprio conceito de subsidiariedade deveria ter sido estabelecido antes.
Embora a ideia de subsidiariedade já estivesse presente nos primeiros teóricos da filosofia política, desde Dante Alighieri no século XIII, passando pelo teólogo e filosofo político protestante Johan Althus (Johanes Althussius) no século XVII, assim como da ciência política e sociologia há muito tempo, somente no final do século XIX, com as intensas transformações sociais, econômicas e políticas ocorridas, é que o conceito começa a se firmar. Entretanto, não foi destes campos do conhecimento que ele emergiu, mas sim da Teologia, com a encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, publicada em 15 de maio de 1891. Neste documento eclesial, porém, o conceito ainda não havia sido denominado de “subsidiariedade”. Ele teria de percorrer um século até ser “batizado” e firmar-se completamente, com o Papa João Paulo II. Portanto, a subsidiariedade transitou da ideia difusa para o conceito claro durante aproximadamente setecentos anos.
Uma vez estabelecido o conceito, com suas notas principais e acessórias, essenciais e acidentais bem definidas, tornou mais fácil a geração de um modelo de estado que aproveitasse as boas características dos modelos que o antecederam, partindo da avaliação histórica dos seus resultados.
O modelo de estado subsidiário parte de um elemento ausente nos dois que lhe servem de contraponto: o princípio de dignidade da pessoa humana. O Estado Assistencialista desrespeita este principio ao restringir as manifestações da liberdade intrínseca da pessoa, criando obstáculos ao seu auto-desenvolvimento ao promover a dependência. Já o Estado liberal, em todas as suas nuances, desrespeita a dignidade da pessoa humana ao selecionar algumas poucas atividades sobre as quais exercerá seu domínio tornando-se indiferente às condições de existência dos indivíduos. Se um anula a responsabilidade pessoal o outro entrega-a completamente ao individuo, inclusive sobre aqueles fatos da vida sobre os quais eles não têm controle. São posições extremas. A solução apontada pelo federalismo pleno e pelo modelo de Estado subsidiário não anula a responsabilidade pessoal, nem abandona os indivíduos e coletividades à sua própria sorte.
Engana-se, contudo, quem acredita que o estado subsidiário seja um “meio termo” entre os dois modelos extremos. Se fosse esta a realidade, então bem pouco poderia realizar. Outrossim, poder-se-ia afirmar sem receio que tal modelo seria uma expressão de mediocridade. Porém, não é este o caso, pois o estado subsidiário é a concreção¹ de dois elementos opostos, em interação: de um lado o mercado e de outro o estado; de um lado o indivíduo e de outro a coletividade. Referir-se ao subsidiário como uma concreção significa superar tanto o holismo quanto o elementarismo ou reducionismo. Ele é, de fato, uma feliz síntese do melhor de dois mundos.
Deste modo, o subsidiário é um modelo de estado que busca o equilíbrio sistêmico entre estes opostos, e outros que lhe são inerentes. A realidade, qualquer que seja ela, está sempre em mutação. Hora um aspecto prepondera, enquanto outro se retrai. Se predomina um dos opostos temos uma das espécies de estados citados. Quando dois opostos estão em equilíbrio, ou seja, sem o predomínio de nenhum deles, desaparecem os modelos anteriores e manifesta-se Estado Subsidiário. A diferença deste modelo em relação aos outros é que os dois pólos são atendidos, sem exclusividade de qualquer um deles, mas ambos, simultâneamente.
É preciso tomar cuidado, pois circulam ideias equivocadas a respeito do que caracterizaria o subsidiário. Algumas erram ao apresentarem extremos como se fossem a imagem definitiva desta espécie de estado. A visão federalista plena deste modelo, como pode ser visto, vai além da descrição de oposições, pois integra os opostos num composto dinâmico em constante mutação equilibrada, superando os modelos estáticos anteriores.
Outra característica importante do subsidiário é a supletividade. Quando surgiram as primeiras ideias sobre o estado subsidiário, a tendência foi de identificá-lo com o estado de matiz keynesiana, que surgiu basicamente nas economias mistas, como o Brasil, por exemplo. As economias mistas, como o proprio termo deixa claro, se notabilizaram pela criação de empresas estatais em grande escala, para suprir as incapacidades do capital privado na oferta de bens e serviços. A diferença é que nestes estados a intervenção na sociedade, predominantemente na economia, dava-se de modo complementar. Neste sentido, a complementariedade caracteriza-se pela permanência da intervenção direta, enquanto no estado subsidiário a intervenção se dá exclusivamente quando os indivíduos, ou a sociedade não conseguem realizar por si mesmos a açoes de que sentem necessidade. Isto é, a supletividade implica temporariedade. E, é sempre o ente mais próximo é que deve agir para auxiliar na solução do problema. Há uma transferência crescente do dever de agir. Mas a atuação do estado subsidiário se dará normalmente no sentido não de resolver os problemas de indivíduos ou coletividades, retirando-lhes a responsabilidade pelas suas vidas, mas sim, criando as condiçoes que eles possam atuar por si mesmos. O significado mais profundo desta ideia é a preservação da autonomia de individuos e coletividades. O estado deve incentivar o desenvolvimento de capacidades criando ou ajudando a criar as condições para os seu desenvolvimento, e por via de consequência, não pode atuar no sentido contrário.
Infere-se desta resumida explicação que a subsidiariedade implica tanto o dever de agir quanto o dever de não-agir. O que determina a direção a ser tomada são as situações em que a autonomia dos individuos e coletividades estejam em jogo.
É compreensível que alguém possa dizer que tal modelo jamais existiu ou existirá, por ser impossível. Para estes a nossa única resposta é pedir que olhem para toda a tecnologia que os circunda. A maioria delas um dia foi tachada de fantasia, de impossível, no entanto, hoje usufruimos dos beneficios delas porque algumas pessoas recusaram acreditar nas suas ditas impossibilidades.
Com as sempre raras exceções, os políticos em disputa neste momento conturbado da vida nacional ao apresentarem as suas propostas simplórias e confusas, em nada tem contribuído para melhorar a situação do país. A maioria está apegada a modelos ultrapassados, que funcionaram em outros tempos e em outras condições, mas que hoje, por mais que se tente, não conseguirão produzir os resultados esperados.
Há uma confusão mental e teórica neste campo. Quer-se mudar a situação do país, que precisa urgentemente encontrar uma nova direção, que precisa de soluções originais, no entanto, as fontes a que recorrem são as do passado.
O estado subsidiário é o modelo que melhor se adequa às nossas condições e o que traz em si o potencial para dirimir os conflitos atuais, unindo enquanto outros desagregam, e para criar as condições para que o Brasil encontre seu lugar de grande potencia e a situação de uma nação que respeita os seus filhos.
O estado subsidiário é o modelo de estado defendido pela proposta do federalismo pleno!
- Concreção vem do latim cum crescior, que significa crescer junto. Assim, concreção não tem o significado vulgar que geralmente lhe atribuem, de um pocesso de tornar algo tangível; donde o termo concreto é idientificado como algo tangível, mas sim de fatores que se desenvolvem por ação conjunta, de sobre o outro, quer dizer, enquanto um é o agente o outro é o paciente, ou mútua, reciproca, isto é, uns influenciam os outros, sendo agentes e pacientes, simultaneamente.