A MIOPIA DOS PARTIDOS POLÍTICOS ATUAIS
A MIOPIA DOS PARTIDOS POLÍTICOS ATUAIS
O Estado Brasileiro altamente centralizado e perdulário, tutelador e gerador de dependências escandalosas, esgotou-se completamente. O que veremos daqui pra diante será a luta de uma parte decrépita da sociedade, mumificada em seus interesses mesquinhos, contra outra parte juvenil, plena de esperanças nascentes, empenhada na criação de um futuro muito diferente do que existe agora.
O site “Poder 360”, veículo especializado em notícias do Congresso Nacional – https://www.poder360.com.br/
Para sobreviver, qualquer organismo vivo tende a reagir à ameaças. Partidos políticos assemelham-se, por analogia funcional, a organismos. A diferença é que são “organismos” sociais. Por isso, esta tentativa de sobreviver afigura-se, até certo ponto, como natural. O problema é que nem sempre as tentativas de sobrevivência funcionam, ainda mais se são baseadas em reações instintivas que tendem a reproduzir comportamentos ancestrais. Se as ameaças forem sempre iguais, nada mais inteligente do que economizar forças reagindo com comportamentos aprendidos e que costumaram dar certo no passado, é o entendimento comum.
Mas, eis a questão, e se as ameças mudarem? será que um comportamento repetitivo dará conta de manter o organismo vivo? Tanto a natureza quanto a história estão repletas de exemplos de tentativas fracassadas. Outra razão do insucesso de algumas tentativas de sobrevivência é a rapidez com que certas ameaças se apresentam e se instalam. Alguns organismos não conseguem reagir na velocidade exigida pela situação e perecem. Outros reagem improvisadamente com o único objetivo de ganhar tempo enquanto outra tentativa mais consistente seja realizada, e quem sabe, consiga manter o organismo vivo, mesmo que em estados mais reduzidos, como o de hibernação, por exemplo. Parece ser este o caminho de alguns partidos políticos neste momento.
Alguns conseguirão sobreviver temporariamente, até o próximo grande desafio, implementando tais estratégias, disto não resta dúvida. No entanto, as questões que se colocam são as seguintes: 1) mesmo que sejam fundidos com outros partidos, conseguirão estas agremiações sobreviverem no médio e longo prazo, tendo em vista as transformações disruptivas que estão ocorrendo no Brasil? 2) Quais deveriam ser as estratégias para não somente combater as ameaças mais iminentes, como também superá-las? 3) o que impede a reação adequada dessas organizações às ameaças atuais?
Comecemos por responder inversamente aos questionamentos:
3) O que impede a reação adequada dessas organizações às ameaças atuais?
A busca desesperada por soluções rápidas nem sempre são eficazes em função do que chamaríamos de miopia estratégica. O termo médico, por si só é auto-explicativo, – refere-se à dificuldade de ver com nitidez objetos mais distantes – mais popularmente conhecido por “vista curta”. Na acepção figurada, o termo refere-se à reduzida perspicácia para perceber, captar e entender certos fatos e relações, concretas ou abstratas. Miopia, neste caso específico, é a dificuldade dos partidos políticos perceberem com relativa antecedência as transformações mais evidentes do campo político em que atuam e as transformações e tendênciais – aspirações, anseios, desejos e percepções -que ocorrem em estratos mais profundos da sociedade. Estas transformações não são necessariamente ameaças à sobrevivência dos partidos políticos, desde que identificadas com antecedência, antes que a onda se avolume e se torne um tsunami. Ao contrário, ao detectá-las antecipadamente, os partidos políticos poderão aproveitar para se adequarem e obterem vantagens em relação aos seus concorrentes.
Quando um partido é míope não consegue definir uma resposta adequada aos desafios e assim obter resultados positivos, porquanto desconhece até a necessidade de reagir; desconhece a realidade na qual está inserido. É evidente que tal dificuldade poderá resultar numa catástrofe para estas organizações.
Em tese, os partidos políticos existem para canalizar as demandas sociais. Num contexto mercadológico diríamos que eles existem para atender aos seus clientes. Contudo, demonstram gigantesca miopia quando se dedicam a atender apenas aos interesses próprios. Isto nos remete, de imediato, à necessidade de conhecerem com profundidade a sociedade, ou no mínimo, os seus eleitores e simpatizantes.
Por consequência, a miopia partidária promove um fechamento sobre si mesma, como se estas organizações fossem tatús-bola ou tartarugas, que à menor ameaça recolhem-se instintivamente às suas carapaças.
De modo geral, o que observamos nestes encerramentos de ciclo em que novas regras foram introduzidas no sistema político, e período pós-eleitoral, quando vários paradigmas foram quebrados, é que os partidos não conseguiram “ver um palmo adiante do nariz”, ou seja, estão reagindo instintivamente e envolvendo-se em um círculo vicioso de auto-ilusão, acreditando ainda estarem no controle pleno da situação, o que os imobiliza diante das transformações “telúricas” em curso.
Este círculo vicioso baseia-se em algumas crenças errôneas. A primeira é a de que as mudanças em curso são superficiais e requerem apenas ajustes incrementais. A segunda é que o atual modelo político de relação dos partidos com a sociedade não exige qualquer alteração profunda porque não existe nenhum modelo alternativo à vista. A terceira é a de que o cidadão, ou seja, o eleitor, além de ser um indivíduo massificado, está sob o cabresto das leis e dos jagunços regionais ou locais; isto é, a sociedade está sob controle.
Por diversas e poderosas razões, estas crenças não mais correspondem à realidade. A verdade não percebida por estas organizações políticas é que não somente o poder mudou, mas mudou a própria natureza do poder, conforme explica Alvin Toffler. Mudança do poder pode significar apenas a passagem da coroa real de uma pessoa ou grupo para outra pessoa ou grupo, pode significar tão somente que mudou quem senta no trono, embora o trono continue exatamente o mesmo. Porém, a mudança da natureza do poder vai além disso. Ora, se o que está ocorrendo é uma mudança essencial, então respostas meramente incrementais não conseguirão oferecer os resultados pretendidos. A falta de imaginação, o apego ao passado, o auto-referenciamento obscureceu e reduziu de tal forma o ângulo de visão dos partidos que eles não conseguem vislumbrar o surgimento de novos modelos de organizações que canalizam as demandas sociais. Indubitavelmente, é bem possível que “novos” modelos não sejam apenas adaptações dos antigos. Com o avanço e convergência da informática com as telecomunicações o antigo domínio dos meios de comunicação, que dava poder aos partidos e às oligarquias detentoras destes meios, simplesmente evaporou. Então, esperar que novos modelos organizacionais dos partidos correspondam à antiga estrutura de poder, num ambiente cambiante e de incertezas, é no mínimo miopia, para não dizer, verdadeira cegueira. A tecnologia disponibilizada aos cidadãos é uma força inelutável que está alterando rapidamente a relação dos cidadãos com o Estado. Ou os partidos aprendem a lidar com esta nova situação, ou serão eliminados do ambiente como foram os dinossauros. Finalmente, em decorrência dessas profundas e emaranhadas transformações, os cidadãos estão deixando para trás a massificação. O porte de um aparelho celular representa hoje uma arma apontada para os partidos políticos. A consciência dos problemas nacionais, das suas causas e das possíveis soluções, não se restringem mais a um grupo seleto de vanguarda. Qualquer cidadão entende minimamente o que se discute e, para o bem ou para o mal, emite opiniões em profusão para a sua rede de contatos. Esta é a realidade.
Logo, parece evidente que o impedimento maior para oferecer respostas adequadas à própria transformação reside na incapacidade de perceber adequadamente os movimentos da sociedade, principalmente as mudanças no inconsciente coletivo, em ebulição.
2) Quais deveriam ser as estratégias para não somente ultrapassar as ameaças mais iminentes, mas também para superá-las?
Ora, se é a natureza do poder que está mudando, e os novos meios tecnológicos disponíveis à população permitem que anseios longamente reprimidos venham à tona, possibilitando a percepção clara de que cada um pode influir efetivamente sobre os destinos do país, do seu estado e da sua cidade, então é lógico que uma estratégia viável deve basear-se nesta nova realidade, a de que o poder está com a população. Remetendo-nos ao Artigo primeiro da atual Constituição, bastaria que os partidos reconhecessem que o poder emana do povo, e já teriam dado um bom primeiro passo. Porém, o passo deve ser dado caso se tenha um objetivo e um caminho. A estratégia nos aponta o caminho.
Olhando para o sistema de decisões dos partidos políticos atuais, observamos que desde que surgiram como meros agrupamentos de interesses no já distante século dezenove, este permaneceu quase que o mesmo; cresceram os partidos, mas continuaram subservientes aos seus chefes, num arremedo anacrônico da escravidão. A Nação permaneceu refém de “senhores de engenho”, de “coronéis” e de caudilhos, em sua grande parte populistas, de esquerda ou de direita, desgraça social e política na qual se identificam, atravessando incólume quase dois séculos.
No entanto, a hora da mudança chegou. Se desejarem sobreviver terão de apoiar idéias radicalmente diferentes das enganadoras que vinham defendendo até o momento atual. Terão de buscar o contato direto com os anseios legítimos do povo, oferecendo respostas efetivas aos problemas longamente vivenciados. De qualquer modo, isto não poderá ser realizado sem uma releitura geral da história brasileira, das suas tradições e instituições, acompanhando o fluxo do desenvolvimento e sobretudo dos torniquetes e interrupções que foram intencionalmente colocados para impedir o avanço da sociedade, tanto em seus aspectos humanos quanto econômicos.
Quando isso for feito com seriedade, alguns se surpreenderão ao descobrirem que nossa tradição de autonomia das cidades e de democracia antecede a americana em pouco mais de um século. E que foi o travamento artificial destas instituições sociais e políticas que nos fez chegar ao estado de calamidade em que nos encontramos. Diques político-institucionais foram erigidos para impedir o avanço na Nação brasileira.
Se desejarem realmente se tornar organizações relevantes na nova sociedade que está se configurando terão de identificar os desejos de liberdade e de autonomia, e do fim da tutela do estado mega-centralizado e vampirizador das energias vitais da Nação. Em suma, terão de começar a defender os ideais autenticamente federalistas. Aqui está a estratégia. Somente assim aqueles que adotarem estas propostas conseguirão atrair a boa-vontade da população e sobreviver no longo prazo. Somente assim conseguirão ultrapassar e superar os desafios que estão postos na atualidade.
1) mesmo que se concretize a fusão com outros partidos, conseguirão estas agremiações sobreviver no médio e longo prazo, tendo em vista as transformações disruptivas que estão ocorrendo no Brasil?
Se as mudanças se apresentam disruptivas, e são entendidas, infere-se que as respostas devem ser também disruptivas.
A simples fusão de partidos não lhes garantirá a sobrevivência. É inegável que alguns conseguirão um tempo maior de sobrevida, mas sem a busca por uma nova força impulsionadora acabarão morrendo, como o pavio aceso de uma vela a consumi-la, lenta, porém inexoravelmente. Entretanto, a força que tem condições de dinamizar, pelo menos alguns dos partidos, é a autonomia dos cidadãos, dos municípios e dos estados. O Estado Brasileiro altamente centralizado e perdulário, tutelador e gerador de dependências escandalosas, esgotou-se completamente. O que veremos daqui para diante será a luta de uma parte decrépita da sociedade, mumificada em seus interesses mesquinhos, contra outra parte juvenil, plena de esperanças nascentes, empenhada na criação de um futuro muito diferente do que existe agora. Aqueles partidos que conseguirem perceber e assimilar essas forças emergentes de transformação conseguirão sobreviver e prosperar. Todavia, a luta é árdua.
A fonte mais profunda a qual os partidos atentos devem recorrer é o inconsciente coletivo. Anseios há muito represados no subconsciente da população, devido aos avanços tecnológicos, estão chegando a um limiar de extravasamento. Existe um perigo nesta situação. Caso o Estado e os políticos insistam na conservação deste modelo antiquado, podemos considerar o risco de eventos periódicos de rupturas sociais violentas. Em algum momento esses surtos podem ficar fora do controle e tragédias ocorrerem. Entretanto, se a população encontrar eco para essas aspirações que ainda não conseguiram se tornar conscientes, o partido que tomar a dianteira em assumí-las e expressá-las na forma de propostas e programas partidários, conquistará legítima e duradoura liderança e sobrevivência.
O que se tem feito até aqui, principalmente pelo candidato vencedor das últimas eleições presidenciais tem sido apenas a apresentação de algumas ideias esparsas, de modo que fora do carisma do presidente eleito, essas aspirações não adquiriram individualidade e força propria numa linha de ação definida. O carisma do eleito ainda impera sobre o inconsciente da população.
Para gerar a disrupção em seus modelos organizacionais e no modo de relacionamento com a sociedade os partidos terão de obrigatoriamente canibalizar seus próprios sistemas e talvez, até alguns dos seus membros. O passado agarra-se ao presente como um imã poderoso. Odres velhos não podem conter vinho novo, pois o azeda.
Não nos iludamos, porém. O fato de um partido ter sido fundado ha um ano, enquanto outro existe ha décadas, não o faz mais inovador ou com maior potencial de resiliência. O que o torna verdadeiramente inovador são as idéias que defende, e não a data em que foi criado. Partidos políticos, assim como certas mercadorias, podem nascer já obsoletas.
Para concluir, se os partidos não começarem a usar óculos adequados, que lhes permitam observar tanto a realidade próxima quanto a distante, tanto a superficial quanto a profunda, terão como destino a lata de lixo da história.
O Federalismo Pleno é uma idéia força com potencial para reenergizar, renovar e reestruturar tanto aos partidos como o Estado e a Nação Brasileira.
Ivomar Schuler da Costa – Vice-presidente do Instituto Federalista
Comentários